sábado, 28 de novembro de 2009

O auditório Araujo Viana ZH 28.11.09

O auditório ausente
Ao mapear o paradeiro de 500 bancos de concreto do Auditório Araújo Viana original, na Praça da Matriz, trabalho acadêmico expõe lacunas incômodas para a história da cultura gaúcha

Se a Bienal do Mercosul deixa um debate em aberto, esse sem dúvida é o que envolve a participação do artista como elemento político, aquele que contesta e propõe questionamentos. Esta sétima edição poderá ser lembrada pelo contraponto com a polêmica do artigo publicado pelo historiador Voltaire Schilling em Zero Hora, que, embora não se referisse diretamente à Bienal, questionava a contribuição que artistas como Henrique Oliveira (autor da intervenção Tapume, na Rua da Praia), Saint-Clair Cemin (autor da Supercuia, escultura próxima ao Parque Maurício Sirotsky Sobrinho) e outros participantes desta e de outras Bienais teriam trazido a Porto Alegre em termos de obras públicas. Embora confundindo intervenção e obra pública, Shilling classificava esses trabalhos com o termo “abominações”.O debate rendeu acalorada discussão. Talvez mostrem-se nesse caso – expostas e aparentes – as próprias fraturas que propõe a arte contemporânea no corpo da cidade: a que provoca e faz pensar sobre a relação entre vida e a arte e a que mostra que a arte muitas vezes se afirma através daquilo que não é propriamente arte.Um trabalho de graduação apresentado pela artista Jéssica Couto no Instituto de Artes da UFRGS propõe um singelo movimento ao contrário dessa polêmica: ela convida a dirigir um olhar não apenas para o que surge nos espaços públicos, mas para os fragmentos deixados por aquilo que desaparece, buscando uma substituição: a da presença anunciada pela ausência. O olhar da artista se fixou em uma coleção formada por cerca de 500 bancos, projetados e executados em concreto na década de 1920 pelo arquiteto Arnaldo Boni, construtor, em conjunto com o engenheiro José Wiederspahn, do primeiro Auditório Araújo Vianna, demolido na dedada de 1960. Os bancos do antigo auditório encontram-se hoje espalhados pela cidade, como se fossem pequenas ruínas. A artista localiza nesses monumentos a capacidade latente de documentar e recompor uma parte da história da cultura de Porto Alegre que desaparece. E que se anuncia pela ausência através de uma presença iminente.O trabalho sugere uma leitura sobre um segundo desaparecimento: o do “novo” auditório, inaugurado na década de 60 e interditado ao público há quase cinco anos. Nova ausência marcada pela lona da cobertura rasgada, condenada ao desaparecimento desde 2002, conforme os laudos da prefeitura municipal.O primeiro desaparecimento do Auditório Araújo Vianna foi o daquele construído na administração do prefeito Otávio Rocha, há pouco mais de 80 anos. Ocupava um terreno de esquina, em frente à Praça da Matriz. A área, que se estendia da Rua Duque de Caxias até o Theatro São Pedro tinha uma concha acústica e um anfiteatro ascendente para 2 mil pessoas. O conjunto desses bancos focados hoje pela artista ficava distribuído entre as árvores e pérgolas, e todo o projeto fazia parte da remodelação e humanização da cidade ocorrido nas décadas de 20 e 30. Junto com o auditório, criou-se a Banda Municipal, cujo primeiro maestro foi José Corsi. Ele precisou arregimentar músicos bem longe daqui: na Itália. Walter Spalding conta que, duas a três vezes por semana, a partir de 1926, havia música no auditório, reunindo um repertório clássico e popular. Foram os músicos dessa banda os primeiros integrantes da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), fundada quando Ildo Meneghetti era prefeito da Capital. O primeiro auditório foi demolido na década de 1960 para dar lugar à nova Assembleia Legislativa. Um novo auditório com o mesmo nome foi construído no Parque Farroupilha. Inaugurado em 1964, acabou também desaparecendo, pelo menos em sua função: a de atrair o público.Jéssica realizou um exaustivo trabalho de fotografia e busca de grande parte desses 500 bancos, que começaram a ser retirados em 1962 do primeiro auditório do centro de Porto Alegre. A maioria deles foi parar nas vias de pedestres e recantos do Parque Farroupilha, onde se encontram até hoje. Outros estão na Praça Otávio Rocha, nos Jardins do Dmae, na Praça Júlio de Castilhos, no bairro Moinhos de Vento e até mesmo no Campus da Agronomia da UFRGS.O trabalho da artista levanta uma questão: pode um fragmento de algo recompor a ideia de um todo, que se encontra ausente? Pode um fragmento chamar a atenção para e pela ausência? A história dos bancos do Araújo Viana lembra o mito da Mona Lisa: o famoso quadro de Leonardo Da Vinci teria se tornado famoso justamente por uma condição de ausência. Mais de 400 anos depois de ser pintada, a Gioconda era apenas mais um entre centenas de quadros do Louvre e não chamava nenhuma atenção especial aos visitantes. Até que em 1911, Vicenzo Peruggia, ex-funcionário do museu, resolveu roubá-la. Ele retirou a pintura da moldura, enrolou a tela e passou tranquilamente pela porta de saída. A moldura e o chassis foram encontrados nas escadarias do Louvre, sendo recolocados no mesmo lugar que ocupavam – sem a pintura, é claro. A tela vazia começou a atrair os visitantes, que faziam fila para ver o que havia sobrado do roubo.Muita gente foi presa e/ou interrogada por suspeita da autoria do delito. Gente famosa: até o pintor Pablo Picasso e o poeta Guillaume Apollinaire estiveram detidos para investigações. Peruggia só foi descoberto e preso porque falou para alguém sobre a tela, dois anos depois do roubo. A polícia descobriu a Mona Lisa em sua cama, sob o colchão. A ironia da história é que o fragmento que sobrara do quadro, representado pelo chassis e a moldura vazios – teria tornado a obra célebre. Tudo através de uma ausência.É o mesmo papel que Jéssica Couto tenta dar aos bancos do velho Araújo Vianna. Uma ausência anunciada pela presença desses fragmentos nas praças e parques da cidade. Sabemos que o novo Araújo está fechado há um bom tempo, esperando por uma reforma. O trabalho da artista aponta para a ausência desse novo/velho auditório, chamando a atenção para a necessidade de sua presença novamente entre nós.
EDUARDO VIEIRA DA CUNHA Artista plástico, professor do Instituto de Artes da UFRGS
Este artigo cita a professora estadual "Jéssica Couto".
parabéns Jéssica!!!
pelo seu trabalho, é de pessoas como você que a educação está necessitando
um abraço e sucesso.

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